Lembram daquelas massinhas de modelar? Quando a gente pegava uma azul e misturava com outra amarela o que dava? Dava nada. Dava cinza.
Estava eu num restaurante com um casal que conhecera há pouco, quando presenciei, entre os dois, o seguinte diálogo:
– Estou com vontade de comer frango, e você? – ele perguntou.
– Não estou muito a fim. Que tal peixe?
– Você sabe que eu não gosto de peixe.
– Hum… Topa uma carne? – a mulher sugeriu.
– Não, carne me deixa o estômago pesado.
– Carne magra…
– Não.
– Então, a gente pode pedir uma massa pra quebrar o galho.
– É, uma lasanha, pode ser…
Essa conversa aparentemente banal – que não foi motivada por problemas financeiros – me fez lembrar de uma frase, muito usada para e por casais, frase que me causa calafrios: “Agora nós dois somos um”.
A idéia de que ao namorar, casar ou juntar nós passamos, imediatamente, a fazer parte do outro é uma das maiores fontes de infelicidade entre casais. Não, nós não viramos um. Dois continuam sendo dois, com suas individualidades, seus desejos, seus prazeres, seu modo de pensar, de sentir e agir, dois distintos, juntos por opção, não por osmose. Juntos, não misturados.
Lembram daquelas massinhas de modelar da época da escola? Quando a gente pegava uma azul e misturava com outra amarela o que dava? E uma verde com outra vermelha? O que dava? Dava nada. Dava cinza. As massinhas, quando misturadas, quando sovadas uma na outra, perdiam a cor original, viravam uma meleca cinzenta. É exatamente isso que acontece com um casal quando ele cisma em levar adiante essa história de “nós dois somos um”: os dois acabam virando uma massa cinza. E dá-lhe engorda, dá-lhe depressão, dá-lhe pânico, dá-lhe enxaqueca e mais todas as doenças somáticas juntas para sustentar essa antinatural perda da individualidade.
Eu insisto: nós nunca, nunca deixamos de ser independentes, únicos, livres, vacinados, senhores do nosso prazer e destino. Podemos permitir que uma outra pessoa se misture em nós a ponto de não sabermos mais quem somos, mas creia, isso não é bom, isso não é amor, muito menos prova de amor.
Há casais que se forçam a dormir no mesmo horário, que jamais entram em salas diferentes quando vão ao cinema, que não admitem que o seu amor possa sentir desejo por outras pessoas, que não admitem o próprio desejo por outras pessoas, que não viajam sem a cara metade, que se metem em passeios que detestam como churrasco com pagode, piscina com maionese ou bossa-nova com uísque apenas para não deixar o outro se divertir sozinho. Por que tanta insegurança e mutilação? Pra que? Ah, sim: para ser um!
Quando duas pessoas me dizem “agora somos um”, para mim, isso significa que elas passaram, cada uma, individualmente, a valer o mesmo que meia pessoa. Em vez de ganhar algo, elas perdem quase tudo.
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Muito bom!!! Quando as pessoas descobrirem que relacionamento só é bem vindo quando é pra somar, pra agregar valor, vão encontrar a felicidade, essa que sempre tem que existir por nós e não pelos outros. 🙂
Com certeza. Eu preciso incorporar isso mais no meu dia a dia, mas acredito sim que a felicidade está em nós e a prática do desapego também é essencial para nossa paz interior. 🙂
A melhor parte: “Quando duas pessoas me dizem “agora somos um”, para mim, isso significa que elas passaram, cada uma, individualmente, a valer o mesmo que meia pessoa.”
Assino embaixo!